A frequente
presença do fenômeno milenar da bruxaria em culturas distantes de seu substrato
atesta a perpetuação de certas modalidades de funcionamento do espírito humano.
No entanto, inúmeros trabalhos etnológicos ou históricos não lograram ainda
dirimir todos os problemas ligados a sua definição ou explicação.
Bruxaria consiste
no exercício, com intenção maligna, de pretensos poderes sobrenaturais por meio
de ritos mágicos e com o fim de causar malefício a certas pessoas ou a seus
bens, assim como benefícios diretos ou indiretos a seus praticantes. O fenômeno
existe desde os tempos pré-históricos e faz parte dos procedimentos de
numerosas crenças animistas. Aparece já em Homero e na própria mitologia grega,
em que a feiticeira Medéia ocupa lugar de destaque no ciclo dos argonautas. Na
literatura latina, o tema despertou o interesse de vários autores,
especialmente Apuleio, Petrônio e Horácio.
No universo
judeu-cristão, a presença das bruxas verifica-se desde o Velho Testamento. Em
um momento crucial de sua vida, Saul consultou a feiticeira de Endor, embora
pela lei de Moisés a bruxaria fosse punida com a morte. No cristianismo
primitivo, conhecia-se a prática de ritos mágicos, mas os apóstolos
consideravam-na fruto de ardis do demônio, pois entendiam que somente Deus
dispunha de poderes sobrenaturais.
História da
Bruxaria
A bruxaria
ressurgiu e intensificou-se na Europa do século X ao XII, quando as heresias
dos cátaros trouxeram de volta a crença na influência do demônio, o que
favoreceu a interpretação de que a bruxaria era produto do contato com suas
forças. Realizaram-se nesse período vários processos contra bruxas, promovidos
pelo poder civil. Entretanto, a questão só assumiu aspectos dramáticos a partir
do século XIV, quando a igreja implantou os tribunais da Inquisição Católica
para reprimir tanto a disseminação das seitas heréticas como a prática de magia
e outros comportamentos considerados pecaminosos. Ao dar especial relevo ao
problema, a perseguição contribuiu para que ele adquirisse ainda maiores
proporções. Nessa época, o fenômeno frequentemente se caracterizou como
manifestação coletiva, de grandes dimensões e profunda repercussão na vida
religiosa, no direito penal, nas artes e na literatura.
Daí em diante, à
medida que proliferaram os tribunais da Inquisição, os processos aumentaram
rapidamente. A acusação sistemática só se verificou na época que é considerada
a última fase da Idade Média, o fim do século XV, principalmente após a bula
Summis desiderantes affectibus (1484), do papa Inocêncio VIII, e da obra
Malleus maleficarum (1487; Martelo das feiticeiras), dos dominicanos Heinrich
Kraemer e Johann Sprenger, em que se firmaram as normas do processo
inquisitorial contra a feitiçaria.
A época da
verdadeira epidemia de bruxas e teóricos do assunto é a dos séculos XVI e XVII,
no contexto da Reforma e da Contra-Reforma. Ainda que, como nos outros casos,
implicasse a prática da magia, incluía quase sempre a invocação do demônio e a
mobilização de seus poderes, o que a associava à concepção do mal na teologia
cristã e a tornava um desafio à moralidade religiosa. Apareceram então os
grandes sistematizadores da demonologia — Jean Bodin, autor de De la
démonomanie des sorciers (1580; Da demonomania dos feiticeiros), e o jesuíta
Martinus Antonius Delrio, autor de Disquisitionum magicarum libri VI (1599;
Seis livros de pesquisas sobre magia). Nessa fase, a bruxaria tornou-se tema
freqüente na literatura e nas artes plásticas: sobressaíram, por exemplo,
Macbeth, uma das mais célebres tragédias de Shakespeare, e as gravuras de
Baldung Grien e Jacques Callot.
A perseguição às
bruxas foi metódica e violenta no norte da França, no sul e oeste da Alemanha e
muito especialmente na Inglaterra e na Escócia, onde houve o maior número de
vítimas. Os colonizadores ingleses levaram esse procedimento para a América do
Norte, onde, em 1692, ocorreu o famoso processo contra as bruxas de Salem, em
Massachusetts.
Em geral,
acusava-se de bruxaria mulheres velhas, mas com menor frequência também jovens
e, excepcionalmente, homens. As acusações registradas contra essas pessoas
referiam-se a toda espécie de malefícios contra a vida, a saúde e a
propriedade: aborto das mulheres, impotência dos homens, doenças humanas ou do
gado, catástrofes e temporais. As bruxas eram também denunciadas por pactos com
o diabo. Montadas em vassouras, voariam pelos ares e se reuniriam em lugares
ermos para celebrar o sabá e entregar-se a orgias. Como cultuariam Satanás,
considerava-se que este lhes aparecia como monstro cornudo e sequioso de
sacrifícios.
O racionalismo e o
espírito científico, que caracterizaram o Iluminismo do fim do século XVII e do
século XVIII, contribuíram para o fim desses processos e para que não mais se
admitisse perseguição judiciária em casos de superstições populares. O último
processo na Inglaterra ocorreu em 1712, e a última fogueira de bruxas na Europa
foi acesa em 1782, no cantão suíço de Glarus.
Teorias
antropológicas.
O fenômeno
histórico da bruxaria suscitou numerosos estudos antropológicos, para os quais
a intolerância das autoridades eclesiásticas, tanto católicas como
protestantes, não seria razão suficiente para explicar o fenômeno de
psicopatologia coletiva que representou a crença na bruxaria. Muitos chegaram a
acreditar na ocorrência de uma alucinação mediante a qual, contaminadas pela
crença geral, muitas mulheres teriam admitido participar de práticas que nunca
realmente exerceram.
Outra corrente
interpreta a crença nas bruxas como resquício de antigas religiões autóctones europeias,
nunca inteiramente desarraigadas pela cristianização, que depois se teria
mesclado com doutrinas cristãs sobre o diabo. Uma referência seriam as
valquírias da mitologia germânica, que, como as bruxas, voavam pelos ares.
No século XX, essa
teoria aperfeiçoou-se nas teses da antropóloga inglesa Margaret Murray, para
quem a bruxaria seria resíduo de uma religião pré-histórica, um culto da
fertilidade que sobreviveu à cristianização, sobretudo no meio rural e nas
populações descendentes de raças submetidas, como os celtas, o que explica a
forte divulgação do culto nas ilhas britânicas. O culto teria sido ressuscitado
sobretudo em tempos de enfraquecimento da igreja, como aconteceu no período da
Reforma, nos séculos XVI e XVII. A teoria de Murray, em seus aspectos
principais, é rejeitada hoje pela maior parte dos pesquisadores, que a
consideram infundada.
Outro britânico,
Hugh R. Trevor-Roper, acentuou que, embora realmente a bruxaria tivesse um
substrato folclórico, foi a igreja medieval que o sistematizou e o codificou
com o fim de reprimir a heresia e exercer coação sobre os desvios doutrinários,
criando com isso um autêntico tratado de demonologia.
Essa mescla de
ritos arcaicos, superstições, convulsões políticas e perseguições oficiais, que
precisavam de bodes expiatórios, fomentou as alucinações de membros de grupos
sociais marginalizados — talvez com manifestações paranormais — e a imaginação
coletiva. Pelo menos na história da Europa, a bruxaria seria basicamente um
significativo reflexo das tensões sociais acumuladas nos séculos que
antecederam a modernidade. No interior da Inglaterra e de muitos outros países,
porém, a crença na bruxaria, sua prática e numerosos ritos de magia persistem
até hoje.
Fonte Bibliográfica
de pesquisa: Barsa.